A carta que te mandei demasiado tarde

Tinha por fim acabado uma longa semana de trabalho duro onde me tinha valido 20 euros e cinco esmolas, de 1 euro cada.
Cheirava a café e natas, a ponta do meu vestido estava suja com uma nódoa de um bolo que cairá em cima de mim e aquele tinha sido o único bocado de tecido que não conseguira limpar com a água choca e o sabonete de lixívia.
Deixei cair desajeitadamente os sapatos de tacão alto sobre o soalho, o barulho entoou por todo o apartamento e eu recordei-me que tinha de dar de comer à gata Margarida. 
Caminhei lentamente até ao quarto, nos primeiros meses do nosso namoro eu preocupava-me como me apresentava a ti, ao chegar a casa todos os dias eu lavava a cara; maquilhava-me de novo; penteava-me e vestia algo consideravelmente apresentável, tudo, numa questão de segundos. Mas, com o passar do tempo deixei de fazê-lo, a razão principal: CANSAÇO, por contrapartida tu nem te importavas muito com o meu aspecto por isso, a partir daí deixei-te ver-me com a maquilhagem borrada, cabelo bagunçado e roupa manchada por inúmeras substâncias.
 Ao chegar ao quarto não te vi, estava no lugar, normalmente preenchido por ti, uma carta, a tua caligrafia grande e espaçosa escreveu na frente do envelope o meu nome e eu sorri.

Para mim era sempre uma alegria ler algo teu.
Comecei a ler:

Querida,
Andei à muito tempo a pensar em te dizer algo e finalmente, vou cumprir o meu pensamento.
Tens dentro do envelope um bilhete para longe para muito longe, não te preocupes é um bilhete de ida e volta- sempre tiveste medo de arriscar por isso não te vou levar a comentar nenhuma loucura, ou talvez, até vá.
És uma alma tão bonita e talentosa infelizmente, insegura. De todos os presentes que te poderia oferecer dar-te-ia confiança, se não uma vela com cheiro a lavanda.
Desperdiças-te todo o teu tempo naquele estúpido café. Dizes que estás à espera do momento certo para sair daquele estúpido sítio onde não te dão valor. Querida, se continuas a esperar pelo momento certo vais acabar por perdê-lo entre os teus dedos e talvez ele nunca mais volte para ti. Então, o momento certo chegou, chama-se presente.

Tenho consciência que nunca me deste ouvidos contudo, peço-te que agora me dês.

Arruma as tuas coisas e vai para bem longe daqui, conhece novas pessoas, novas cultuas, novas línguas, vive.
Encontra alguém novo, alguém que te leve a fazer loucuras, alguém que te desafie, alguém que te dê aquilo que eu nunca te dei, confiança em ti mesma.

Querida tens um talento tão grande dentro de ti a fervilhar pronto a ser exibido porém corres contra ele, contra ti, impedes-te de seres feliz. Acima de tudo deixa esse talento explodir, partilha-o e exibiu-o até não poderes mais.
Não deixes os outros te porem abaixo, és melhor que eles, só por causa do teu talento, ama-o muito e fica abençoada por o teres, pois aqueles que apontam o dedo nem sequer o têm. Eles não te compreendem logo, arranja alguém que te compreenda.

Se precisares de chorar, chora, se precisares de rir, ri, se precisares de falar, fala, contudo não me ligues, não me procures, nem sequer tentes.

Vives dependente de mim, eu estou sempre lá para ti, para te ajudar, apoiar, fazer-te rir, para te alevantar, falar contigo, aconchegar-te...enfim. 

Tens agora uma tarefa que te proponho e espero que a agarres com determinação e impávida. Querida chegou o momento, não chores a minha partida, pois não somos inseparáveis, chora a tua liberdade e para variar liberta lágrimas de alegria.

Lamento por te ter deixado que me acorrentasses a ti, agora estourei as correntes e fugi, deixei-te recordações e uma aventura: a vida, espero que as aprecies.

Gostava de estar contigo para te ver vingar, mas estarei para sempre no teu coração como estarás para sempre no meu. Espero ouvir notícias sobre ti minha querida. Guardar-te-ei para sempre na minha mente.

.Adeus.

-A.C.
/texto fictício/